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Onze de agosto é nacionalmente comemorado o Dia da Advocacia, data esta que remete à criação dos primeiros cursos de direito no Brasil, no século 19: a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco.
Nesta data é sempre relevante rememorar que a atuação resiliente da advocacia brasileira sempre se fez presente nos momentos históricos de grande relevância e turbulência de nosso país, onde a luta por igualdade, Justiça e efetivação de direitos frequentemente desafiou os poderes constituídos e o status quo. Basta rememorar a atuação corajosa de figuras como Luiz Gama, Sobral Pinto e Rui Barbosa. Todavia, é certo que, mesmo nos momentos de tranquilidade institucional, deve ser reafirmada a contínua necessidade de consolidação e efetivação das prerrogativas da advocacia.
Com a Constituição de 1988, a advocacia foi alçada à posição de função essencial à justiça (artigo 133 da Constituição da República), reconhecendo-se assim em nível constitucional o seu papel de extrema relevância para o Estado democrático de Direito [1].
Sem maiores esforços, pode-se dizer que, por meio de atuações técnicas, desinibidas e proativas, muitas das promessas contidas na Carta Cidadã, notadamente as concernentes a Direitos e Garantias Fundamentais, puderam vir a ser adequadamente postas à apreciação do Poder Judiciário e, por conseguinte, efetivadas na prática. Mais do que isso, a atuação corajosa de diversas advogadas e advogados permite quase que cotidianamente o exercício contínuo da fiscalização dos Poderes estatais.
Não por outra razão — a necessidade de uma atuação proativa e desinibida — é que aos advogados são assegurados direitos e prerrogativas para o bom desempenho desse verdadeiro múnus público. Nesse sentido, tais direitos e prerrogativas estão sistematizados no Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994), no Código de Ética e Disciplina da OAB (Aprovado pela Resolução 02/2015) e em outros atos normativos infralegais, cabendo à Ordem dos Advogados do Brasil não apenas zelar pela defesa institucional da classe, mas também criar condições materiais ao exercício da advocacia, especialmente para aqueles profissionais que não pertençam às grandes bancas.
Relativamente às prerrogativas e aos direitos da advocacia, pode-se enxergar uma atuação forte e atenta da OAB. Nesse aspecto, muitas são as ações promocionais, desagravos públicos e até mesmo manejo a medidas judiciais orientadas à defesa de advogados e da classe como um todo. Em essência uma atuação firme e atenta da Ordem em defesa das prerrogativas fundamentais da classe apenas fomenta o bom desempenho dessa função de relevo constitucional, contribuindo para o fortalecimento do Estado democrático de Direito.
Todavia, no Dia Nacional da Advocacia buscamos trazer reflexões neste espaço não apenas para a necessidade de que a Ordem dos Advogados do Brasil permaneça incansavelmente vigilante na defesa das prerrogativas de todos os membros, mas também a necessidade de uma contínua valorização das boas práticas e da Ética profissional. Nesse aspecto, a defesa das prerrogativas da advocacia deve vir necessariamente acompanhada de uma atuação diligente da OAB quanto à observância dos princípios e deveres éticos a que todos os colegas de classe estão submetidos.
Essa preocupação se justifica em razão de serem cada vez mais frequentes as notícias divulgadas em meios comunicação social [2] a respeito de possíveis abusos cometidos no exercício profissional como, por exemplo, estelionatos judiciais e litigância de má fé, advocacia predatória, captação indevida de clientes, inclusive por meio de expedientes desleais popularmente conhecidos como “atravessamento de causas”, publicidades abusivas e até mesmo práticas qualificadas em tese como tipos penais como a coação no curso do processo, a fraude processual, o patrocínio infiel e a tergiversação.
Outrossim, diversas violações aos preceitos da ética profissional ocorrem sem, contudo, ganharem os holofotes da publicidade. Isso porque, muitas vezes, são praticadas em demandas sem maiores visibilidades, em pequenas comarcas ou, ainda, em desfavor de pequenos escritórios ou colegas de classe iniciantes ou que atuam individualmente.
De uma forma geral e sem qualquer pretensão de esgotar o tema, pode-se afirmar que a Ética se constitui como um plexo de concepções de ordem axiológica capaz de orientar o agir humano. Tais considerações intrasubjetivas a respeito do que seria justo ou injusto, correto ou incorreto, bom ou mau se prestam a ser postas em prática em relações intersubjetivas concretas. Em síntese, o seu estudo relaciona-se com os padrões comportamentais e o seu impacto na convivência em sociedade, bem como eventuais respostas a dilemas éticos.
Obviamente que a intensificação e o imediatismo impostos pelas relações consumeristas e pelas sociedades de massa põem à prova cotidianamente “o padrão de comportamento ético” que se espera de cada indivíduo. Nesse sentido, não é incomum que diante de dilemas internos [3], especialmente aqueles que envolvam a possibilidade de retorno de grandes benefícios pessoais, a ética reste de certa maneira erodida ou fragilizada.
Em que pese a ética seja um imperativo que permeia todos os setores da vida, visto existir uma expectativa geral de que os indivíduos ajam sempre com honestidade, lisura e boa fé, é certo que o ordenamento jurídico somente se ocupa dos “preceitos da ética” que se encontram efetivamente positivados em disposições dotadas de coercibilidade e exigibilidade.
Assim, quando discorremos sobre a ética profissional, o ponto de referência são aqueles preceitos ou princípios consagrados nos atos normativos acima mencionados. Destaque-se, por exemplo, que o artigo 33 do Estatuto da Advocacia alça a observância rigorosa dos deveres consignados no Código de Ética e Disciplina — expressamente dispondo, em seu parágrafo único, que este se presta a regular os deveres dos advogados para com a comunidade, com o cliente e com o outro profissional, dentre outros — à categoria de obrigação jurídica e não apenas de um simples constrangimento ético.
Por outro lado, é de se reconhecer que alguns dos princípios, deveres e vedações previstos no Estatuto da OAB e no Código de Ética e Disciplina possuem uma alta carga de abstração e de indeterminação, o que consequentemente impende concluir que serão aplicados a partir de uma interpretação valorativa e subjetiva [4]. Portanto, é nesse contexto que devem ser compreendidas as aplicações concretas das disposições da ética profissional da advocacia.
Como afirmado, o Código de Ética e Disciplina traz algumas disposições principiológicas que, embora dotadas de baixa densidade jurídica, são de fácil compreensão a respeito dos deveres e vedações e que seriam por si sós suficientes para repelir a maior parte das atuações profissionais desviadas e afastadas das condutas esperadas de todos os advogados, a partir de diretrizes como urbanidade, honestidade, lealdade e probidade, que, em última análise, visam a preservar a própria dignidade da advocacia.
Nesse sentido, já em seu preâmbulo há o destaque especial às seguintes diretrizes:
“O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, os quais se traduzem nos seguintes mandamentos: (…) ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício (…) exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve a finalidade social do seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe”.
Ademais, o Código de Ética e Disciplina é sistematizado em capítulos que dispõe especificamente e com detalhes a respeito das relações entre advogados e clientes (artigos 9º ao 26), da publicidade e do sigilo profissional (artigos 35 a 47-A) e até mesmo a relação, por exemplo, entre advogados (artigos 27 a 29).
É de se ressaltar que algumas condutas eticamente reprováveis e recorrentes praticadas em face de colegas como, por exemplo, o aliciamento de clientes, contam com previsões (apesar de serem de suma relevância) apenas esparsas na parte principiológica do Código de Ética e Disciplina (ex: artigo 2º, PU, VIII, d) [5] ou em alguns dispositivos pontuais em capítulos dedicados a outros temas (ex: artigo 14) [6], o que pode, em uma leitura apressada, passar a impressão, sistematicamente, de que a relação entre advogados deve se pautar tão somente por uma relação de urbanidade nos autos.
Em que pese fosse desejável que o Código de Ética dispusesse com maior grau de detalhamento sobre a Ética na relação entre Advogados em suas diversas formas, o próprio Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) já arrola uma série de infrações ético-disciplinares em seu art. 34, que se prestam a sancionar a prática de condutas antiéticas também na relação entre colegas de classe, como por exemplo, os incisos III, IV, VIII, XIII, XIV e XVII. Por outro lado, outros incisos do artigo 34, como o XXV (manter conduta incompatível com a advocacia) ou o XXVII (tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia), são verdadeira cláusulas abertas e subsidiárias capazes de atrair a punição para condutas antiéticas que o legislador não foi capaz de prever.
Desta forma, é preciso que os advogados sempre a pretexto de se encontrarem no exercício profissional e atuando de forma desinibida e combativa não ignorem a necessidade de se pautarem de acordo com todos os deveres que advêm da principiologia do Estatuto da OAB e do Código de Ética e Disciplina na relação não apenas com os seus clientes ou funcionários públicos, mas também entre os seus pares. Mesmo que fosse desejável que algumas condutas merecessem uma regulamentação mais específica, é certo que, por meio de infrações ético-disciplinares de caráter aberto e dos procedimentos disciplinares, a OAB é plenamente capaz de efetivar o exercício leal e probo da advocacia, ainda que não haja disposições mais detalhadas no Código de Ética e Disciplina e no Estatuto da OAB, como o exemplo citado acima de aliciamento de clientes de colegas de classe.
Digno de nota que condutas como as de aliciamento e outras congêneres atentam não apenas contra colegas constituídos, mas, quase sempre, prejudicam sobremaneira aquele que mais precisa, o próprio cliente. Tais modalidades de infrações ético disciplinares contrariam a função precípua do advogado, maculando toda a categoria que vê a sua credibilidade diminuída, o que obviamente enfraquece a missão constitucional da advocacia.
Entendemos que a Ordem dos Advogados do Brasil deve permanecer vigilante às notícias de possíveis violações ao Código de Ética, buscando sempre aprimorar os procedimentos de apuração e sanção de condutas tidas como violadoras da ética profissional e que põem em xeque a própria credibilidade da advocacia. Ademais, entendemos que seja relevante a necessidade de a Ordem conferir a devida publicidade a toda sociedade — e não apenas à classe — a respeito de eventuais julgamentos dos Tribunais de Ética e Disciplina, tanto no que se refere a absolvições, quanto no que concerne a condenações e eventuais sanções aplicadas.
Nesse sentido, o Código de Ética e Disciplina, em seu artigo 67, Parágrafo Único determina que cada Tribunal de Ética deverá dar conhecimento ao Conselho Seccional respectivo para a publicação periódica de seus julgados, enquanto que o artigo 73, §1º determina que os Conselhos Seccionais publiquem trimestralmente na internet a quantidade de processo em andamento e as punições aplicadas em caráter definitivo. Por outro lado, o artigo 72, §2º do EOAB determina que os processos disciplinares devem tramitar em sigilo até o seu término.
Em consulta aos sítios eletrônicos de algumas seccionais não é raro encontrar verdadeiros óbices ao acesso à informação a respeito das punições e do número de processos disciplinares em andamento, ante a simples não disponibilização de tais dados ou a difícil localização dos mesmos, em total contrariedade ao comando do Código de Ética e Disciplina. O difícil acesso a informações que deveriam ser naturalmente públicas, sistematizadas e de fácil compreensão potencializa as repercussões negativas de violações éticas capazes de impactar a reputação de toda a classe ou de setores específicos, abalando também a confiança de terceiros na advocacia.
Obviamente que se violações aos preceitos da ética profissional recorrentemente vêm chegando aos holofotes de veículos de imprensa (ex: atravessamentos deliberados de causa ou possíveis práticas delituosas a pretexto de exercer a advocacia), certamente já há uma repercussão altamente negativa à advocacia, que merece respostas proporcionais da Ordem.
Por outro lado, a OAB deve conferir um zelo adicional em relação a condutas em tese violadoras a ética profissional e que também sejam consideradas em tese condutas penalmente relevantes para que estas sejam apuradas de forma concomitantemente às eventuais ações penais, porquanto (1) expõem muito mais a classe perante a opinião pública e a sociedade e (2) o fato de haver eventual absolvição na esfera criminal não conduz à necessária conclusão de que não tenha ocorrido violações aos preceitos éticos.
Em resumo, o fortalecimento da advocacia deve vir necessariamente acompanhado não apenas da especial e necessária atenção às prerrogativas da classe, mas também da estrita observância aos deveres e princípios éticos inerentes à atividade de advocacia. Assim, uma OAB forte é uma OAB que defende os direitos e prerrogativas de todos os seus membros, mas também que diligentemente busque aprimorar os seus procedimentos internos de apuração e sanção a desvios éticos, valorizando o seu próprio Código de Ética para além da prova de inscrição nos quadros de membros.
[1] Isso também se deve por uma atuação institucionalmente fortalecida da própria OAB pós Constituição Federal de 1988. Além do art. 103, VII da CF arrolar o Conselho Federal da OAB como um dos legitimados ativos para propor a ADI e a ADC, o art. 44 da Lei 8.906/1994 ainda aduz que a OAB tem por finalidades “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas e promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”.
[2] Cite-se, por exemplo, a seguinte notícia jornalística, publicada no site jurídico “Migalhas”: https://www.migalhas.com.br/quentes/359050/advocacia-predatoria-juiz-extingue-972-acoes-do-mesmo-advogado.
[3] Muitos dos dilemas éticos ou morais envolvem a necessidade de tomar uma decisão dentre duas ou mais alternativas que, independente de qual seja a escolha, proporcionará resultados indesejáveis em termos valorativos. Nesse sentido, pode-se citar como exemplo, o funcionário de uma empresa que flagra um superior em uma conduta antiética ou criminosa e pondere entre a razoabilidade de denunciar tal conduta ou não aos canais internos da empresa ante a possibilidade de sofrer eventuais represálias ou até mesmo vir a ser demitido. Noutras vezes, o dilema moral pode dar lugar a ponderações entre a possibilidade de se praticar uma conduta qualificada como um atalho antiético para a obtenção de vantagens e a prática de uma conduta ética que não proporcione qualquer tipo de benefício pessoal.
[4] Cite-se, por exemplo, as infrações ético profissionais previstas no art. 34, incisos XXV, XVII e XVIII do EOAB, que preveem as seguintes condutas, respectivamente: manter conduta incompatível com a advocacia; tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia; praticar crime infamante.
[5] Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes. Parágrafo único. São deveres do advogado: (…)VIII – abster-se de: (…) d) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste;
[6] “Art. 14. O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono constituído, sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo plenamente justificável ou para adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis”.
Por Carlo Huberth Luchione e Thalles Leba
Fonte: Conjur
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