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Assim como o faz com Ministério Público (artigos 127 a 130-A), advocacia (artigo 133) e Defensoria Pública (artigos 134 e 135), a Constituição situa a advocacia pública (artigos 131 e 132) dentre as funções essenciais à Justiça.
O Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) também dispõe sobre a advocacia pública (artigos 182 a 184), ressaltando que a ela incumbe defender e promover os interesses da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, conferindo-lhes prazos em dobro e direito à intimação pessoal.
Em sendo a advocacia pública espécie do gênero advocacia, além de se submeterem às leis orgânicas de suas respectivas carreiras (Advocacia-Geral da União, procuradorias dos estados etc.), advogados públicos também são regidos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, artigo 3º, § 1º).
Tema que sempre causa certa polêmica diz respeito à seguinte indagação: a atuação do advogado público se restringe à defesa da instituição que representa ou cabe, também, eventual postulação em nome de agente público, político ou não, inserido na estrutura do respectivo órgão?
Via de regra, prevalece o entendimento de que a advocacia pública não representa o governante, mas o Estado, nunca sendo por demais lembrar que órgãos e entidades não se confundem com seus integrantes.
A respeito desse assunto, especificamente no âmbito dos Tribunais de Contas, não são raras, nos processos em trâmite perante aquelas cortes, petições onde a atuação do procurador jurídico extrapola a representação institucional e adentra na esfera postulatória individual do agente público.
Essa situação fica ainda mais evidente quando a intervenção se dá em defesa de ex-agente político, objetivando tão somente o afastamento de responsabilização pessoal, como é o caso das determinações de ressarcimento ao erário e das aplicações de multa.
Por óbvio, tal advocacia também pode se fazer presente no âmbito da Justiça de Contas, mas, em regra, não por intermédio do advogado público, porquanto, em se verificando pretensão defensória de viés personalíssimo, tem lugar a figura do patrono particular.
Ocorre, todavia, que, com o advento da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), parece ter havido certa relativização desse entendimento.
É que o artigo 10 do mencionado diploma atribui à “advocacia pública” responsabilidade pela defesa de autoridades e servidores que, lastreados em parecer elaborado pelo órgão de assessoramento jurídico, praticarem ato que venha a ser contestado na esfera administrativa, controladora ou judicial.
Imprescindível pontuar, de plano, que essa incumbência de promover a representação do agente público não significa, nem indiretamente, qualquer tipo de responsabilidade conjunta do parecerista com a autoridade que tomou a decisão.
Ainda que doutrina e jurisprudência ofereçam enriquecedores debates sobre os limites da responsabilização dos advogados públicos, ora apresentando teses em que se sustenta sua inviolabilidade ante o caráter eminentemente opinativo de seus pareceres, ora recrudescendo esse tratamento, reconhecendo a possibilidade de serem instados a comparecer perante órgãos de controle para prestar esclarecimentos e, até mesmo, serem responsabilizados solidariamente com o administrador [1], cumpre assinalar que o dispositivo em comento restringe-se a atribuir ao advogado público o dever de promover a representação daquele que agiu na esteira de parecer jurídico, o que, à evidência, não se confunde com estender-lhe responsabilidade pelo ato.
Um outro aspecto digno de nota é que a representação a ser realizada pelo advogado público restringe-se a atos praticados em observância a parecer jurídico específico, relacionado a procedimento licitatório ou ajuste de que trata a lei, e desde que não haja prova da prática de atos ilícitos dolosos pelo responsável, daí porque permanece aquela vedação de outrora, no tocante ao descabimento de defesa pessoal do agente público em razão de condutas diversas, não estribadas no referido parecer.
Cumpre assinalar, ainda, que, em se verificando tratar-se de ato praticado à luz de parecer jurídico proferido nos moldes da Lei nº 14.133/2021, o dever de representação outorgado ao advogado público remanesce mesmo que a autoridade ou servidor não mais ocupe o cargo ou função, o que permite concluir que tal incumbência subsistirá ainda que o responsável deixe de integrar os quadros da administração.
Impende anotar, por oportuno, que a disposição sob enfoque encontra-se sub judice, em virtude de ação ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape): trata-se da ADI 6.915, cujo principal fundamento é que a matéria objeto do artigo 10 da Lei nº 14.133/2021 seria alheia aos aspectos gerais relacionados às licitações e contratos, acabando por criar nova atribuição para os órgãos de advocacia pública das três esferas da federação, o que não seria possível por parte da União, sob pena de ofensa ao pacto federativo; entretanto, não há, até o momento, qualquer decisão acerca da referida ação, nem mesmo liminar, daí porque o dispositivo legal em comento encontra-se em plena vigência.
A partir da nova disciplina licitatória, exsurge, também, atuação do advogado público no que concerne ao controle prévio de legalidade, conforme expressamente previsto no artigo 53, caput, e § 4º, da Lei nº 14.133/2021.
Ainda que o exame de regularidade já estivesse, de certo modo, inserido no contexto do regramento anterior, a simples leitura desse e demais dispositivos referentes ao assessoramento jurídico revela que a nova lei se apresenta muito mais minuciosa no tocante às competências do advogado público, sobretudo se comparada com as singelas disposições do artigo 38, inciso VI, e parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, revelando-se importante mecanismo de aperfeiçoamento técnico-jurídico dos atos administrativos.
Aliás, vale registrar, por oportuno, recente alteração no Estatuto da OAB, que, por força da Lei nº 14.365, de 2 de junho de 2022, passou a contar com um artigo 2º-A, do seguinte teor: “O advogado pode contribuir com o processo legislativo e com a elaboração de normas jurídicas, no âmbito dos Poderes da República”.
Vê-se, portanto, que a norma de regência confere ao advogado, agora de maneira expressa, possibilidade de influenciar diretamente até mesmo no processo de criação das leis, relevante contribuição que, evidentemente, se sobressai no âmbito do Poder Legislativo, configurando uma das maiores expressões no que concerne ao exercício do controle prévio de legalidade.
De mais a mais, para além dos supramencionados artigos 10 e 53, diversas são as passagens em que o novo estatuto licitatório confere atribuições ao advogado público, tais como: prestar apoio à atuação do agente de contratação e equipe de apoio, bem como ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação dos fiscais e gestores de contratos (artigo 8º, § 3º); auxiliar na elaboração de modelos de minutas de editais, termos de referência, contratos padronizados e documentos congêneres (artigo 19, IV); auxiliar o fiscal do contrato, dirimindo dúvidas e subsidiando-o com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual (artigo 117, § 3º); promover análise jurídica prévia nos casos de declaração de inidoneidade (artigo 156, § 6º), desconsideração da personalidade jurídica (artigo 160) e reabilitação de licitante ou contratado (artigo 163, V); auxiliar a autoridade competente nos casos de impugnação a edital de licitação, pedidos de esclarecimentos e recursos (artigo 168, parágrafo único).
Dentre as novas atribuições, uma das mais relevantes, e, por isso, merecedora de destaque, diz respeito à inserção das unidades de assessoramento jurídico na atividade de controle da administração pública.
De acordo com o artigo 169 do novo diploma, passam a ser obrigatórias, no contexto das contratações públicas, práticas contínuas de gestão de riscos e de controle preventivo, que, além do controle social, sujeitar-se-ão a três linhas de defesa: a primeira, integrada por servidores e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão; a segunda, composta pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno; e a terceira, a cargo do controle externo, na qual se insere o Tribunal de Contas.
Veja-se, portanto, que, a partir de agora, além de desempenhar o assessoramento jurídico de costume, promover a representação judicial e administrativa de agentes públicos em determinadas circunstâncias, exercer o controle prévio de legalidade das licitações e contratos mediante competente parecer jurídico e, ainda, uma gama de outras incumbências esparsas no texto da norma, a advocacia pública passa a se revestir da qualidade de órgão de controle, atuando na fiscalização de certos atos previstos na lei.
Dessa condição decorrem novas prerrogativas e responsabilidades, tais como: acesso irrestrito a documentos e informações necessárias à realização dos trabalhos, inclusive aquelas classificadas como sigilosas, tornando-se corresponsável pela manutenção do sigilo (artigo 169, § 2º), adoção de providências necessárias para apuração das infrações administrativas detectadas, assim como remessa de cópias de documentos ao Ministério Público competente para apuração de ilícitos (artigo 169, § 3º, II).
Diante desse alentado rol de atribuições, a leitura do novo diploma licitatório, quando contextualizada no arcabouço jurídico pátrio, com ênfase nas prescrições constitucionais pertinentes à administração pública, e à luz de uma interpretação sistemática, onde a norma não pode ser vista de forma isolada, bem assim teleológica, levando-se em consideração o fim a que se destina, conduz à inafastabilidade da figura do advogado público, independente do ente da federação em que atue.
No âmbito da União, dos estados e do Distrito Federal, não parece haver controvérsia, já que, conforme dito no parágrafo inaugural do presente ensaio, a teor dos artigos 131 e 132 da Constituição Federal, a advocacia pública organizar-se-á em carreira e atuará na representação das citadas unidades federadas.
É no âmbito dos municípios, portanto, que a celeuma se instala.
Via de regra, seria de prevalecer o entendimento de que, tal como nos demais entes, também na esfera municipal a advocacia pública exerce, mutatis mutandis, análogas atividades, possuindo equivalentes direitos e deveres, daí porque seria igualmente imprescindível.
No entanto, na prática, sobretudo nos pequenos municípios, nem sempre há instituída uma procuradoria municipal e, nem mesmo, a figura de um advogado público.
Isso porque, com amparo em linha jurisprudencial que vem se consolidando nos tribunais, tem se advogado a favor da prescindibilidade do órgão de assessoria jurídica municipal, sustentando-se que, diante do “silêncio eloquente” do constituinte federal, não há simetria que imponha aos municípios criação de um órgão de advocacia pública, de modo que, sob pena de ofensa ao pacto federativo, não haveria obrigatoriedade de tal estrutura no município, devendo ser respeitada sua competência para auto-organização [2].
Essa ratio, contudo, não ampara a ausência da figura do advogado público no município.
Ainda que a Constituição, em seus artigos 131 e 132, de fato, silencie a respeito dos municípios, e sem olvidar da autonomia desses entes, princípio constitucional sensível que repousa no artigo 34, inciso VII, alínea “c”, da Carta Maior, é preciso ter em mente que tal silêncio quanto à necessidade de uma instituição estruturalmente organizada não desobriga a existência, ao menos, de um cargo de advogado público no quadro de pessoal, ainda que isoladamente considerado.
Ou seja, perfilha-se o entendimento de que o constituinte não impôs aos referidos entes a criação de uma “procuradoria jurídica municipal”, com integrantes organizados em carreira, estruturada nos moldes da AGU e PGEs, tal como previsto para União, estados e Distrito Federal, estando a opção por sua implementação inserida no juízo de oportunidade e conveniência, escolha política essa que, a depender do porte, volume de demandas e outras variáveis incidentes, deverá ser sopesada no âmbito de cada município.
Essa discricionariedade não autoriza, todavia, lacuna absoluta do advogado público na esfera municipal.
É que a advocacia pública, além de função essencial à Justiça, reconhecidamente integra o rol de atividades exclusivas de Estado, expressão que não é meramente retórica, tanto que, além de largamente estudada na doutrina, também consta expressamente no texto da Constituição Federal, em seu artigo 247.
A respeito de sobredito dispositivo constitucional, leciona a insigne professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“A lei terá, certamente, que enfrentar a difícil tarefa de definir quais sejam as atividades exclusivas de Estado, podendo-se adiantar que abrangerão, certamente, pelo menos, as carreiras institucionalizadas pela Constituição (Magistratura, Ministério Público, Advocacia Pública, Defensoria Pública, Polícia), além de outras atividades inerentes ao próprio conceito de Estado, como diplomacia, polícia, controle, fiscalização” (Direito Administrativo, 35ª edição, Editora Forense, 2022, p. 758).
Nesse sentido, inclusive, o próprio STF já reconheceu tratar-se a advocacia pública de atividade exclusiva de Estado (ADI 5.437).
Note-se que características qualificadoras de tais atividades ditas exclusivas não se distinguem a partir da esfera em que se exercem as correspondentes atribuições, independendo, para esse fim, se desempenhadas no âmbito municipal, estadual ou federal, pois que ínsitas à figura do advogado público, e não ao Poder ou ente federado a que ele está atrelado.
Desse modo, enquanto atividade exclusiva de Estado, a advocacia pública reclama, por consectário lógico, que seus integrantes sejam necessariamente admitidos nos moldes do artigo 37, incisos I e II, da Constituição, afinal, se para provimento de cargos comuns na administração há que se observar a regra geral do concurso público, mais ainda para atividades exclusivas de Estado esse requisito se revela indispensável.
Noutros termos, se nem mesmo a forma excepcional de provimento de cargo público (nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração) mostra-se compatível com as atividades exclusivas de Estado, muito menos sentido faria admitir que particulares, contratados mediante terceirização, estariam habilitados a exercer tais misteres.
Sobre o tema, não comove o argumento de que alguns municípios, por serem de pequeno porte e apresentarem dificuldades financeiras, estariam autorizados a não manter em seus quadros permanentes a figura do advogado público, valendo-se de particulares para suas demandas jurídicas habituais [3].
A uma, porque não há norma autorizadora nesse sentido, sendo que ao administrador só é dado fazer o que a lei expressamente admite; a duas, porque os recursos financeiros que eventualmente seriam economizados com a não criação do cargo de advogado público fatalmente seriam despendidos com a contratação de advogados particulares para atividades jurídicas ordinárias e corriqueiras da administração; e a três, porque se um determinado município, independentemente de seu porte, buscou e logrou êxito em obter sua emancipação, essa condição sujeita-o tanto aos bônus (tais como o direito à percepção de repasses de verbas federais e estaduais), quanto aos ônus (constituir quadro de pessoal nos termos da Constituição) que lhe são inerentes.
Não bastasse isso, a partir da Lei nº 14.133/2021, as numerosas e relevantes atribuições conferidas ao órgão de assessoria jurídica, especialmente aquelas previstas nos artigos 10, 53 e 169, reforçam a inteligência de que, de fato, a advocacia pública revela-se indispensável também na esfera municipal, mediante cargo a ser preenchido por servidor concursado e que desempenhe funções essenciais à execução da lei.
Para citar somente um exemplo, difícil vislumbrar como um advogado particular, portanto, estranho à administração pública, poderia exercer atividade de controle, compondo a segunda linha de defesa (artigo 169, II), a qual, necessariamente, deve ser integrada pela unidade de assessoramento jurídico “do próprio órgão ou entidade”, com decorrências inerentes ao exercício de tal função, como o acesso irrestrito a documentos e informações, inclusive aquelas classificadas como sigilosas (artigo 169, § 2º).
A reforçar ainda mais essa conclusão, destaca-se o axiomático teor do artigo 7º, caput e inciso I, da Lei nº 14.133/2021, que inaugura o capítulo “Dos Agentes Públicos” dispondo que caberá à autoridade competente “designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei”, os quais, preferencialmente, deverão ser “servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública”.
Observa-se que o título do referido capítulo, por si só, restringe a agentes públicos o desempenho das funções essenciais à execução da lei; não obstante, o artigo 7º, I, ainda prevê que, para tais tarefas, preferencialmente, não se deve admitir quaisquer agentes públicos (v.g., comissionados), mas integrantes do quadro permanente da administração, estendendo tal comando ao órgão de assessoramento jurídico (artigo 7º, § 2º).
Conclui-se, portanto, que o conjunto de regras concebidas no contexto da Lei nº 14.133/2021 conduz à inafastável atuação da advocacia pública, inclusive na esfera municipal, em plena consonância, aliás, com a dicção do artigo 182 Código de Processo Civil, quando prescreve que “Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos […]” (g.n.), diretiva essa reforçada nos artigos 242, § 3º, e 269, § 3º, do mesmo codex.
Ciente de que o agente político, por melhor gestor que possa ser, nem sempre é profundo conhecedor das normas jurídicas, cumpre ao advogado público, independentemente da esfera em que atue, exercer suas funções com destreza técnica, legitimidade e autonomia, de modo a desempenhar papel fundamental no controle prévio de legalidade dos atos de gestão e no fortalecimento das instituições democráticas.
[1] Acerca de ambos os entendimentos, recomenda-se a leitura, de um lado, do MS nº 24.073-3, e, de outro, dos MS 24.584-1 e 24.631-6, todos do STF, lembrando, contudo, que se tratam de precedentes anteriores ao tratamento conferido pelo art. 184 do CPC, que prevê responsabilidade civil (regressiva, e não solidária) somente quando verificado dolo ou fraude.
[2] Nesse sentido, por exemplo, ADI nº 2284706-34.2019.8.26.0000, TJ-SP e RE1156016 AgR/SP, STF.
[3] Não se pode olvidar que, excepcionalmente, admite-se, nos termos da lei, contratação de serviços técnicos de natureza predominantemente intelectual, com profissionais de notória especialização, para patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, o que, inclusive, se fará mediante contratação direta (art. 25, II, da Lei nº 8.666 e art. 74, III e § 3º, da Lei nº 14.133/2021).
Fonte: Conjur
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