A lei 14.711/23 e a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis
O PL 4.188-c de 2021, sancionado pela Presidência da República em 30/10/2023, e convertido na lei 14.711/2023, vem sendo chamado de Marco Legal das Garantias, e traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais.
Na redação original do Projeto de Lei que foi encaminhada para a sanção presidencial, na tendência da desjudicialização, havia previsão da possibilidade da execução extrajudicial de bens móveis regidos pela alienação fiduciária em garantia; de modo que a busca e apreensão do móvel dado em garantia, por exemplo, poderia ser realizada através de atos do cartório de títulos e documentos.
Esta previsão, em específico, foi objeto de veto presidencial quando da promulgação da lei 14.711/2023; veto este que, todavia, foi derrubado na data de 14.12.2023 pelo Congresso nacional.
Com isso, nos termos da Constituição Federal, o texto do PL 4.188-c de 2021, que havia sido objeto de veto, deve ser objeto de promulgação pelo Presidente da República e/ou pelas demais autoridades previstas na Magna Carta.
Uma das finalidades da lei 14.711/2023 é facilitar a localização de bens do devedor, além de buscar acelerar os procedimentos de constrição do patrimônio do executado.
Nessa linha é a previsão dos artigos 8º-B, 8º-C, 8º-D e 8º-E, introduzidos no Marco Legal das Garantias, como acréscimos ao texto do decreto-lei 911, de 1º de outubro de 1969. Este movimento legislativo visa justamente conferir um tom mais célere para a busca e apreensão, no formato extrajudicial, dos bens móveis que tenham sido objeto de alienação fiduciária em garantia. Veja-se:
“Art. 8º-B – Desde que haja previsão expressa no contrato em cláusula em destaque e após comprovação da mora na forma do § 2º do art. 2º deste decreto-lei, é facultado ao credor promover a consolidação da propriedade perante o competente cartório de registro de títulos e documentos no lugar do procedimento judicial a que se referem os arts. 3º, 4º, 5º e 6º deste decreto-lei.
§ 1º É competente o cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do devedor ou da localização do bem da celebração do contrato.
§ 2º Vencida e não paga a dívida, o oficial de registro de títulos e documentos, a requerimento do credor fiduciário acompanhado da comprovação da mora na forma do § 2º do art. 2º deste Decreto-Lei, notificará o devedor fiduciário para:
I – pagar voluntariamente a dívida no prazo de 20 (vinte) dias, sob pena de consolidação da propriedade;
II – apresentar, se for o caso, documentos comprobatórios de que a cobrança é total ou parcialmente indevida.
§ 3º O oficial avaliará os documentos apresentados na forma do inciso II do § 2º deste artigo e, na hipótese de constatar o direito do devedor, deverá abster-se de prosseguir no procedimento.
§ 4º Na hipótese de o devedor alegar que a cobrança é parcialmente indevida, caber-lhe-á declarar o valor que entender correto e pagá-lo dentro do prazo indicado no inciso I do § 2º deste artigo.
§ 5º É assegurado ao credor optar pelo procedimento judicial para cobrar a dívida ou o saldo remanescente na hipótese de frustração total ou parcial do procedimento extrajudicial.
§ 6º A notificação, a cargo do oficial de registro de títulos e documentos, será feita preferencialmente por meio eletrônico, a ser enviada ao endereço eletrônico indicado em contrato pelo devedor fiduciário.
§ 7º A ausência de confirmação do recebimento da notificação eletrônica em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento, implicará a realização da notificação postal, com aviso de recebimento, a cargo do oficial de registro de títulos e documentos, ao endereço indicado em contrato pelo devedor fiduciário, não exigido que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário, desde que o endereço seja o indicado no cadastro.
§ 8º Paga a dívida, ficará convalescido o contrato de alienação fiduciária em garantia.
§ 9º Não paga a dívida, o oficial averbará a consolidação da propriedade fiduciária ou, no caso de bens cuja alienação fiduciária tenha sido registrada apenas em outro órgão, o oficial comunicará a este para a devida averbação.
§ 10. A comunicação de que trata o § 6º deste artigo deverá ocorrer conforme convênio das serventias, ainda que por meio de suas entidades representativas, com os competentes órgãos registrais.
§ 11. Na hipótese de não pagamento voluntário da dívida no prazo legal, é dever do devedor, no mesmo prazo e com a devida ciência do cartório de registro de títulos e documentos, entregar ou disponibilizar voluntariamente a coisa ao credor para a venda extrajudicial na forma do art. 8º-C deste Decreto-Lei, sob pena de sujeitar-se a multa de 5% (cinco por cento) do valor da dívida, respeitado o direito do devedor a recibo escrito por parte do credor.
§ 12. No valor total da dívida, poderão ser incluídos os valores dos emolumentos, das despesas postais e das despesas com remoção da coisa na hipótese de o devedor tê-la disponibilizado em vez de tê-la entregado voluntariamente.
§ 13. A notificação deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
I – cópia do contrato referente à dívida;
II – valor total da dívida de acordo com a possível data de pagamento;
III – planilha com detalhamento da evolução da dívida;
IV – boleto bancário, dados bancários ou outra indicação de meio de pagamento, inclusive a faculdade de pagamento direto no competente cartório de registro de títulos e documentos;
V – dados do credor, especialmente nome, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), telefone e outros canais de contato;
VI – forma de entrega ou disponibilização voluntárias do bem no caso de inadimplemento;
VII – advertências referentes ao disposto nos §§ 2º, 4º, 8º e 10 deste artigo.
Art. 8º-C – Consolidada a propriedade, o credor poderá vender o bem na forma do art. 2º deste decreto-lei.
§ 1º Caso o bem não tenha sido entregue ou disponibilizado voluntariamente no prazo legal, o credor poderá requerer ao oficial de registro de títulos e documentos a busca e apreensão extrajudicial, com apresentação do valor atualizado da dívida e da planilha prevista no inciso III do § 13 do art. 8º-B deste Decreto-Lei.
§ 2º Recebido o requerimento, como forma de viabilizar a busca e apreensão extrajudicial, o oficial adotará as seguintes providências:
I – lançará, no caso de veículos, restrição de circulação e de transferência do bem no sistema de que trata o § 9º do art. 3º deste Decreto-Lei;
II – comunicará, se for o caso, aos órgãos registrais competentes para averbação da indisponibilidade do bem e da busca e apreensão extrajudicial;
III – lançará a busca e apreensão extrajudicial na plataforma eletrônica mantida pelos cartórios de registro de títulos e documentos por meio de suas entidades representativas, com base no art. 37 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009; e
IV – expedirá certidão de busca e apreensão extrajudicial do bem.
§ 3º Para facilitar a realização das providências de que tratam os incisos I e II do § 2º deste artigo, os órgãos de trânsito e outros órgãos de registro poderão manter convênios com os cartórios de registro de títulos e documentos, ainda que por meio das suas entidades representativas incumbidas de promover o sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009.
§ 4º O credor, por si ou por terceiros mandatários, poderá realizar diligências para a localização dos bens.
§ 5º Os terceiros mandatários de que trata o § 4º deste artigo poderão ser empresas especializadas na localização de bens.
§ 6º Ato do Poder Executivo poderá definir requisitos mínimos para o funcionamento de empresas especializadas na localização de bens constituídas para os fins deste Decreto-Lei.
§ 7º Apreendido o bem pelo oficial da serventia extrajudicial, o credor poderá promover a venda de que trata o caput deste artigo e deverá comunicá-la ao oficial de cartório de registro de títulos e documentos, o qual adotará as seguintes providências:
I – cancelará os lançamentos e as comunicações de que trata o § 2º deste artigo;
II – averbará no registro pertinente ou, no caso de bens cuja alienação fiduciária tenha sido registrada apenas em outro órgão, comunicará a este para a devida averbação.
§ 8º O credor fiduciário somente será obrigado por encargos tributários ou administrativos vinculados ao bem a partir da aquisição da posse plena, o que se dará com a apreensão do bem ou com a sua entrega voluntária.
§ 9º No prazo de 5 (cinco) dias úteis após a apreensão do bem, o devedor fiduciante terá o direito de pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário no seu requerimento, hipótese na qual será cancelada a consolidação da propriedade e restituída a posse plena do bem.
§ 10. No valor da dívida, o credor poderá incluir os valores com emolumentos e despesas com as providências do procedimento previsto neste artigo e no art. 8º-B deste decreto-lei, além dos tributos e demais encargos pactuados no contrato.
§ 11. O procedimento extrajudicial não impedirá o uso do processo judicial pelo devedor fiduciante.
Art. 8º-D – No caso de a cobrança extrajudicial realizada na forma dos arts. 8º-B e 8º-C deste decreto-lei ser considerada indevida, o credor fiduciário sujeitar-se-á à multa e ao dever de indenizar de que tratam os §§ 6º e 7º do art. 3º deste Decreto-Lei.
Art. 8º-E – Quando se tratar de veículos automotores, é facultado ao credor, alternativamente, promover os procedimentos de execução extrajudicial a que se referem os arts. 8º-B e 8º-C desta lei perante os órgãos executivos de trânsito dos Estados, em observância às competências previstas no § 1º do art. 1.361 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
Parágrafo único. Na hipótese de o credor exercer a faculdade de que trata o caput deste artigo, as empresas previstas no parágrafo único do art. 129-B da lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), praticarão os atos de processamento da execução, inclusive os atos de que trata o § 2º do art. 8º-C desta lei.”
Como visto, da simples leitura dos dispositivos acima, ainda há necessidade de se regulamentar melhor como algumas medidas executivas serão plenamente concretizadas no formato extrajudicial.
Mas, sem prejuízo disso, muito bem-vinda é a lei 14.711/2023, a qual traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais.
Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o Marco Legal das Garantias certamente objetiva conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A nova lei, portanto, tem o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias.
Claro que, como proposta de reflexão, na medida em que os órgãos extrajudiciais ganham poderes para atuarem com técnicas executivas, faz-se necessário que estejam organizados para realizarem os atos previstos em Lei com a performance e legalidade necessárias; e tudo sem prejuízo da possibilidade do controle judicial, caso preciso.
Fonte: Migalhas
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