O que é direito à proteção de dados e por que você deveria estar preocupado com isso
Entrevistamos Horrara Moreira, advogada e pesquisadora, para explicar o que é direito à proteção de dados
Ao navegar na internet, fazer compras em farmácias e supermercados, acessar cadastros públicos e privados, ou só caminhar por locais públicos, fornecemos dados pessoais a entes públicos e privados. Como esses dados são armazenados, como são tratados ou mesmo para que são utilizados nem sempre é muito claro para toda a população. Para conscientizar e sensibilizar pessoas e instituições públicas sobre isto, o dia 28 de janeiro foi instituído como Dia Internacional da Proteção de Dados.
Para entender um pouco mais sobre a legislação brasileira que trata do direito à privacidade e proteção de dados, como está discussão tem acontecido no Brasil e o que isso tem a ver, por exemplo, com o uso do reconhecimento facial como política pública de segurança em todo o país, o Brasil de Fato Bahia entrevistou Horrara Moreira, advogada e pesquisadora do tema, ela também coordena a Campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira.
Como a legislação brasileira trata o direito à privacidade de dados? Em quais aspectos ela precisa avançar?
Eu vou fazer uma distinção técnica entre privacidade e proteção de dados. O direito à privacidade já é reconhecido antes do direito à proteção de dados. Ele diz a respeito à sua privacidade dentro da sua casa, o direito de ser deixado em paz, de não ser perturbado, de não ser incomodado. O direito à proteção de dados vai dizer de um outro aspecto da nossa subjetividade, que são as nossas informações, o uso dos nossos dados pessoais. E dado pessoal é tudo aquilo que torna a gente identificável. Então, o conjunto de informações a respeito de um ser humano faz parte de um processo maior que chama de datificação da vida. Essa datificação da vida – e aí, consequentemente, também a datificação de políticas públicas – vai provocar a necessidade da proteção do Estado em relação às pessoas e ao mercado.
Horrara Moreira, advogada e pesquisadora, coordena a Campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira / Arquivo pessoal
Visto também que o acesso à informação, o conhecimento sobre coletividades, sobre grupos também gera um potencial discriminatório, também gera uma fragilidade, uma necessidade de proteção para o livre desenvolvimento dessas pessoas, foi transformado, então, o direito à proteção de dados em um direito fundamental. E isso começou na Alemanha.
A proteção de dados se destaca em dois lugares na legislação brasileira, na Constituição Federal, no artigo quinto, quando a proteção de dados passou a integrar a lista de direitos fundamentais a partir de 2022; e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). São essas duas leis que dizem o que tem de ser protegido, que são as informações, os dados pessoais dos cidadãos brasileiros, o que pode ou não ser feito com as nossas informações, com os nossos dados pessoais, quais são os nossos direitos, como nós exercemos esses direitos e como eles vão ser aplicados. São duas legislações muito recentes, então a gente ainda precisa construir uma cultura de proteção de dados.
E o que que significa isso?
Significa desde as pessoas conseguirem compreender a proteção de dados como um direito, assim como foi no processo do Direito do Consumidor, por exemplo. Quando o Código do Consumidor foi aprovado, com o tempo, as pessoas passaram a ter acesso aos seus direitos, passaram a ter informativos nos estabelecimentos, os Procons foram estruturados. Então, a construção dessa cultura, das instituições do Estado que fazem parte dessa prestação de serviço à comunidade ou como funcionam também os negócios a partir dos dados, tudo isso está avançando, avançando muito rápido, mas também é muito recente. Hoje a gente precisa avançar no Brasil na construção dessa cultura da privacidade, em torná-la um direito é acessível, um direito popular, um direito que é aplicável de fato no cotidiano, que a gente compreende como funciona, porque, de fato, é muito complexo e recente.
Quando falamos sobre privacidade de dados, um ponto sensível é sobre as tecnologias de reconhecimento facial, utilizadas como armas repressivas pelas forças policiais.
Qual o problema dessas tecnologias e o que isso tem a ver com privacidade de dados?
É muito importante que a gente entenda como funciona o reconhecimento facial. Primeiro é que todos os estados do Brasil já utilizam essa ferramenta como uma solução de segurança pública para identificar e conseguir prender pessoas suspeitas, procuradas ou com algum mandado de prisão em aberto. Então, em lugares como praias, parques, estádios de futebol, praças, pode haver câmeras ou dispositivos que capturam as nossas imagens. E aí, a partir de uma regra de processamento dessa informação, uma regra matemática computacional que é o algoritmo, ele vai identificar o quanto nós somos parecidos ou não com aquele suspeito, com aquela pessoa que está sendo procurada pela polícia e vai gerar um alerta para o policial, que então vai fazer a abordagem na rua. Esse é mais ou menos o funcionamento do sistema de reconhecimento facial hoje em uso no Brasil.
O problema está em como essas regras são construídas. Quem define como é um suspeito? Ou o quão parecido uma pessoa tem que ser com um suspeito para ser aceitável fazer uma abordagem? E se essa abordagem resultar naquilo que a gente chama de um falso positivo? Infelizmente, aconteceram várias vezes no Brasil de pessoas terem sido confundidas ou serem identificadas de forma equivocada. E o quanto que esse sistema pode errar, né? Acho que são perguntas importantes que a população se faça para entender se está segura ou não ou quem está seguro com o uso do reconhecimento facial.
Fora isso, são tecnologias que custam muito ao Estado. O Panóptico fez uma pesquisa que fez a comparação do quanto já havia sido gasto na Bahia com o reconhecimento facial, poderia custear um hospital de referência por 32 anos e 1.500 ambulâncias. É um gasto muito grande! E como eu havia dito, o sistema de reconhecimento facial está em diversos pontos da cidade, sem identificação. A gente não sabe onde as nossas informações estão sendo capturadas. E com isso é possível saber onde uma pessoa esteve, com quem esteve. É possível também que esse sistema seja utilizado para perseguir minorias, para perseguir opositores políticos. Então, essa é uma síntese dos problemas quando a gente pensa no uso do reconhecimento facial como uma ferramenta aplicável ou uma política de segurança pública.
Recentemente, até o governo federal foi autorizado a vender os dados capturados através do gov.br para empresas interessadas. Como é possível, então, proteger nossa privacidade no uso da internet?
O direito à proteção de dados se aplica à pessoa natural, seja eu, você, enfim, nós enquanto indivíduos. E a proteção de dados tem como objetivo o livre desenvolvimento da pessoa. Esse é o motivo pelo qual o direito à proteção de dados é um direito fundamental agora. E existem formas de exercer o seu direito à proteção de dados através da lista de direitos que foi estabelecida pela LGPD. Então, o direito ao acesso à informação, o direito à correção das suas informações, o direito de saber como os seus dados são tratados como as suas informações pessoais são tratadas, o direito à exclusão dos seus dados de determinado cadastro, por exemplo, mas isso é no nível individual.
A nível coletivo é muito difícil também dizer como é que nós podemos nos proteger a partir do exemplo que você traz. O governo deveria ou não vender os dados dos cidadãos brasileiros para as empresas? Quais são os riscos que a gente corre quando esses dados são vendidos? O que vai ser feito com essas informações? Essas são a extensão desse direito individual de acesso à informação, de saber como os dados são tratados e tudo mais que eu falei anteriormente, mas em um nível coletivo. Eu compreendo que uma forma da gente proteger os nossos dados dentro da internet perpassa por um letramento digital, de saber, por exemplo, se você está acessando um site confiável, se é de fato o site do governo ou não. A partir desse letramento digital a gente vai conseguir compreender a resposta para essas perguntas que eu falei anteriormente.
Fonte: Brasil de Fato
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